“Estamos todos juntos!”
Amélia Nascimento [2016]
Este texto faz parte de uma série
de publicações inspiradas por pessoas reais à minha volta, que em algum momento
me tocaram com as suas palavras. Mais informações sobre este projecto aqui
Cresci numa família
verdadeiramente numerosa. Habituada a casas cheias, almoços barulhentos e
Natais intermináveis. Só bem tarde é que percebi que uma família “normal” não junta com regularidade no
mínimo 20 pessoas para um simples almoço de domingo.
Na nossa família nunca eras o
mais novo durante muito tempo, havia sempre alguém que vinha a seguir e tomava
o teu lugar de benjamim da família e era com orgulho que encaravas o papel de
mais velho (ainda que a diferença fosse de apenas meses). Crescíamos juntos,
entre brincadeiras e discussões, ralhetes e muitas asneiras. Os mais velhos
(ainda eles crianças) com a responsabilidade de manter os mais novos na linha,
de lhes ensinar o que também eles tinham aprendido com seus irmãos e primos.
A maioria das minhas amigas não
ficava sozinha em casa aos 14/15 anos, mas na nossa família, com essa idade nós
já tomávamos conta dos mais novos. Claro que os mais velhos às vezes abusavam,
os mais novos serviam quase de escravos, não tinham voto na matéria, tinham de
lutar pelo seu lugar, era um pouco a lei da sobrevivência, mas o facto de não
sermos demasiado protegidos ensinava-nos a ganhar a nosso próprio espaço.
Eu era a mais novas da primeira
“leva” de primos, super ingénua, e lembro-me bem das aldrabices que nos
pregavam. Mas também me lembro das brincadeiras, das cartas que as primas mais
velhas nos escreviam, e de me carregarem às cavalitas quando as minhas pequenas
pernas não conseguiam acompanhar as suas…
À medida que fui crescendo muitos
desses primos mais velhos foram-se afastando naturalmente, mais independência,
outros interesses… e de repente, quando a segunda “leva” de primos veio eu era uma das duas primas mais velhas que
estava sempre presente. Depressa os papéis se inverteram. Já era eu quem
enviava as cartas que as primas mais novas recebiam do carteiro com entusiasmo,
já era eu quem carregava os mais pequenos ao colo ou os transportava na
cadeirinha da bicicleta, já era eu quem os ajudava a crescer, como também a mim
me tinham ajudado.
Hoje, esses que eram pequenos,
também já não são tão pequenos assim… e é certo que com um ou outro o contacto
foi ficando mais reduzido, mas na grande maioria pouco mudou. Eles cresceram,
muitos já atingiram a adolescência, outros até já a ultrapassaram, mas continuo
a estar presente - a fazer “babysitting”,
a dar-lhes boleias, conselhos, mimos e abraços. Continuamos com as idas à
praia, almoços ou tardes de jogos. E é com orgulho que com eles partilho
memórias que fizeram de mim o que sou hoje.
Somos 28 primos direitos (se não
me falha nenhum), e a mais nova está a umas semanas de fazer 7 anos. No outro
dia, chegou a casa com um papel com o seguinte TPC “pensa em 3 características
que tornam a tua família especial”. Imediatamente comecei a pensar como
responder a essa pergunta, mas não sabia sequer onde começar, pois o que temos
de especial tem um quê de inexplicável. A Amélia não sabia sequer o que
significava a palavra características, mas quando lhe explicámos sem grandes
hesitações respondeu simplesmente… “sei lá… estamos todos juntos!”. E a sua
resposta, curta e rápida fez sentido, pois se é verdade que por razões diversas
já não estamos todos juntos, também é
verdade que muitos de nós se mantêm juntos. Juntos de verdade, não apenas nas
grandes celebrações ou feriados, mas juntos também nos momentos mais pequenos,
naqueles onde as aprendizagens se fazem e as memórias se criam, naqueles que
realmente importam. Não há famílias perfeitas, e a nossa está longe de sê-lo,
mas é por tudo isto que apesar do meu estilo de vida meio nómada faço um
esforço consciente para me manter presente. Porque apesar de todo o drama e
disfuncionalidade que nos rodeia, ou talvez por causa deles, é que me tornei
naquilo que sou hoje.
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