O anúncio da conferência tinha sido partilhado há algumas semanas atrás por
uma das professoras da escola. Apenas um entre muitos, mas por alguma razão
este despertou a minha atenção. Por diversos motivos há algum tempo que estava
afastada deste mundo, mas depois de alguma indecisão e preguiça decidi combinar
com uma ex-colega de curso e, pela segunda vez na mesma semana, regressei à
minha antiga escola. Àquela onde tinha tirado o curso que tanto me ensinara mas
que por opção ainda não exercera (pelo menos não de forma tradicional). Estava entusiasmada,
não sabia o que esperar, mas sentia que precisava de despertar algo dentro de
mim.
Ainda não tínhamos entrado na escola avistámos um dos nossos antigos
professores. Apesar da hora já avançada, atrasámos o passo enquanto decidíamos
se lhe devíamos falar ou não. “Será que ainda se lembra de nós? Afinal já passaram
seis anos…” discutíamos. Antes mesmo de termos tempo para chegar a uma
conclusão, ele olhou para nós acenando freneticamente enquanto um enorme
sorriso lhe aparecia no rosto. Sem hesitações aproximou-se, surpreendendo-nos
com um abraço apertado enquanto dizia “Claro que me lembro! Como me poderia esquecer?”.
O tempo era apertado e agora com a com a alma mais aconchegada seguimos caminho
para não chegarmos atrasadas. Sem tempo a perder entrámos no anfiteatro que já
estava lotado. Discretamente avançámos até à primeira fila onde ainda se encontravam
alguns lugares vazios, enquanto lançávamos olhares curiosos aqui e ali à
procura de caras conhecidas. As primeiras que avistei foram as de algumas alunas actuais que tinha
conhecido há menos de uma semana, mais uns olhares e encontrámos antigas
colegas da nossa turma. Mesmo a tempo da introdução lá nos sentámos, na
primeira fila, no centro, bem à frente da conferencista e de mais uma
ex-professora nossa. Entre tirar os blocos de notas e procurar canetas lançámos
mais uns olhares e, do outro lado da sala veio o sorriso caloroso daquela que
sempre fora a nossa professora favorita.
Após uma breve introdução, sem mais demoras, a conferencista iniciou a sua
apresentação. O tema eram os Direitos da Criança na Educação de Infância, e a preletora
até então desconhecida para nós. A conferencista tinha um discurso bem
articulado e simples, e a apresentação voou, porque durante os 60 minutos seguintes
fomos submersas no mundo de concepções e questões com que ela nos desafiou. Admitiu
várias vezes não ter respostas milagrosas, não desvalorizou as conquistas do
passado mas evidenciou o longo caminho que há pela frente. Discutiu semântica,
questionou conceitos banalmente utilizados, mas acima de tudo alertou para a
necessidade de pensar e repensar o nosso discurso, as nossas acções… a nossa
prática.
Atentas a cada palavra, dissecando cada afirmação, pensando cada ideia com
a mente critica que em tempos esta mesma escola nos havida ajudado a
desenvolver, nós tirávamos notas enquanto trocávamos olhares e pequenos
comentários. Quando o final chegou e a voz foi passada à audiência, os
espectadores menos pacientes e movidos apenas pela entrega do certificado
apressaram-se a sair, nós queríamos mais! Sabia-nos a pouco, e no entanto, a
informação a processar era tanta que não conseguimos por em palavras um
comentário ou uma questão.
Saí da conferência com mais perguntas do que quando entrei, mas saí também
com uma enorme vontade de ler, pesquisar, estudar e reflectir. Senti-me mais
consciente das minhas limitações, mas inspirada para procurar saber mais. Sentia
o meu cérebro a funcionar a 1000 à hora, mas movido por algo que realmente me
apaixona, e tinha saudades disso. Saudades dos dias passados nesta mesma escola
em discussões fervorosas sobre aquilo que acreditávamos e a realidade que
víamos lá fora. Saudades das promessas de não nos deixarmos cair na rotina e
nos limitarmos a seguir a corrente. Saudades de ter alguém que desafiasse cada asserção
que fazíamos, que nos “obrigasse” a justificá-la, que não nos deixasse fazer afirmações
vazias de conteúdo.
Foram muitas as vezes que, enquanto alunas, abandonámos a sala de aula
frustradas, porque cada pergunta que fazíamos era devolvida com outras cinco
questões tão ou mais complexas. Nunca era sim ou não, nada nunca era oferecido
numa bandeja. Estar numa escola em que os professores assumiam não saber tudo
era um conceito novo para nós, e estranho. Se eles não sabiam como poderíamos
nós aprender? A adaptação a este tipo de ensino demorou algum tempo, pois em 12
anos de escola esta era provavelmente a primeira vez que as informações não nos
eram dadas em modelos pré-formatados, tínhamos de pensar. E parece simples,
afinal de contas, passados 12 anos na escola certamente saberíamos pensar. Mas estávamos
erradas. Sabíamos aprender, decorar e debitar matérias, mas o verdadeiro
pensamento crítico aprendemo-lo apenas quando na faculdade, quando chegámos a
esta escola. Ali tivemos de repensar tudo o que nos havia sido ensinado no
passado, de aprender a pensar fora dos modelos pré-estabelecidos, de observar e
analisar antes de julgar, e isso é algo que fica para a vida.
Não é fácil mantermos este nível de reflexão no dia-a-dia, não quando não
estamos rodeados por pessoas que nos confrontem, não quando saímos desta escola,
que nos cria um ambiente tão propício à reflexão, não quando não temos ninguém
a “controlar” o nosso discurso e a certificar-se que sabemos o que que fazemos
e porque o fazemos.
É fácil estupidificarmos no mundo cá fora. É mais fácil ter certezas do que
viver na angústia de nunca ter as respostas para tudo, de nunca terminar o
caminho, mas há algo de gratificante nesta procura constante. Algo inexplicável
que esta inquietude nos traz, algo que nos faz vibrar. E é isso que nos
continua a mover quando saímos da escola e nos libertam para o mundo real. É
isso que garante que iremos continuar a desconstruir conceitos e a pensar,
mesmo quando deixamos de ter alguém que se certifique que o fazemos. Uma escola
que só ensina tem um contributo limitado na medida em que o seu trabalho
termina quando o aluno termina os seus estudos, mas uma escola que inquieta tem
um impacto a longo prazo, pois quando a semente da reflexão é deixada,
dificilmente a pessoa se limitará a aceitar o que lhe é dito sem reflexão. E é
isso que nos faz crescer.
1 comment :
Até fiquei emocionada a ler isto....foi fantástico voltar a entrar naquele espaço, ser recebida daquela maneira, voltar a ser "desafiada", sentir-me "inquieta" de novo mas sobretudo amiga, ORGULHOSA por ainda hoje, passados 6 anos, continuar a recusar ser "mais uma ovelha" que se limita a fazer "méeeee" atrás das outras! NÃO!! Eu sou Eseana Eu quero mais, eu penso mais, eu questiono mais, porque isso me enche o espírito ontem, como sempre, aquela escola teve um impacto maravilhoso em mim e tive a tua companhia que me aquece sempre o , só faltou a nossa "meia leca" aposto que ela tinha mil perguntas loool
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